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Liturgia da Palavra: “Eis como os últimos serão primeiros...”


Por Gabriel Frade, professor de Liturgia e Sacramentos
SÃO PAULO, sexta-feira, 16 de setembro de 2011 (ZENIT.org) – Apresentamos o comentário à Liturgia da Palavra do 25º Domingo do Tempo Comum – Is 55, 6-9; Sl 144 (145) 2-3.8-9.17-18; Fl 1, 20c-24.27a; Mt 20, 1-16ª – redigido pelo professor Gabriel Frade. Natural de Itaquaquecetuba (São Paulo), Gabriel Frade é leigo, casado e pai de três filhos. Graduado em Filosofia e Teologia pela Pontificia Universitas Gregoriana (Roma), possui Mestrado em Liturgia pela Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora D’Assunção (São Paulo). Atualmente é professor de Liturgia e Sacramentos no Mosteiro de São Bento (São Paulo) e na UNISAL – Campus Pio XI. É tradutor e autor de livros e artigos na área litúrgica.

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25º Domingo do Tempo Comum

Leituras: Is 55, 6-9; Sl 144 (145) 2-3.8-9.17-18; 
              Fl 1, 20c-24.27a; Mt 20, 1-16ª

Eis como os últimos serão primeiros, e os primeiros serão últimos... 
Mt 20, 16.


A Igreja nos oferece neste vigésimo quinto domingo do Tempo Comum algumas leituras que contém imagens muito belas sobre o agir de Deus.
A primeira grande imagem é aquela ofertada pela leitura do profeta Isaías – e que será retomada em de alguma forma pelo Evangelho: Deus, ao falar através do profeta, põe em relevo a metáfora do “caminho”: “Vossos caminhos não são os meus caminhos... Quanto os céus estão acima da terra, tanto meus caminhos estão acima dos vossos caminhos” (Primeira leitura vv. 8-9).
Embora essa afirmação possa, à primeira vista, ter o sabor de um Deus distante que não se digna em descer até os caminhos da humanidade, a realidade é bem outra: na verdade ele mesmo se faz caminho para toda a humanidade (“Eu sou o caminho, a verdade e a vida!” Jo 14, 6).
Já no Antigo Testamento o termo caminho - e seus similares - aparece com uma grande freqüência e quase sempre diz respeito à relação entre Deus e Israel: Israel ora se aproxima de Deus, ora se afasta dele tomando outros caminhos.
Nesse sentido, a tradução da Bíblia de Jerusalém intitula significativamente de “dois caminhos” a seguinte passagem do livro do Deuteronômio: 

“Eis que hoje estou colocando diante de ti a vida e a felicidade, a morte e a infelicidade. Se ouves os mandamentos de Yahweh teu Deus, andando em seus caminhos e observando seus mandamentos, seus estatutos e suas normas, viverás e te multiplicarás (...). Contudo, se o teu coração se desviar e não ouvires e te deixares seduzir e te prostrares diante de outros deuses, e os servireis, eu hoje vos declaro: é certo que perecereis!” (Dt 30, 15s).

Como se vê, caminho é também uma metáfora para indicar o grande mistério da liberdade humana perante o dom da vida e a morte, e é também imagem de um mistério ainda maior: a relação de gratuidade entre Deus e o homem.
De fato, de sua parte Deus deixa bem claro que deseja a vida de todo homem e mulher. Ele espera que o homem escolha o caminho da vida, o que não significa que ele fique totalmente impassível diante do sofrimento humano: “Eu sou a salvação do povo, diz o Senhor. Se clamar por mim em qualquer provação eu o ouvirei e serei seu Deus para Sempre” (Antífona da Entrada) e “Abandone o ímpio seu caminho, e o homem mau seus pensamentos e volte a Yahweh, pois terá compaixão dele, ao nosso Deus, porque é rico em perdão” (primeira leitura v. 7).
Aquele que fez a experiência de enveredar pelo caminho que conduz ao distanciamento de Deus e dos irmãos e, ao cair em si, reencontra a luz e a misericórdia de Deus pode, com maior razão, elevar a voz com o salmista, o qual reconhece a benignidade de Deus ao cantar: “Misericordioso e cheio de piedade é o Senhor!”(Salmo responsorial).
Não é um acaso que uma das primeiras denominações que os cristãos usaram para nomear a realidade da Igreja fosse a palavra “caminho”. Os cristãos não são aqueles que uma vez tendo aceitado a fé estão imunes às tentações, ao pecado. São, ao invés, aqueles que não obstante suas limitações seguem em seu caminho tendo o olhar fixo no Oriente, isto é, no Cristo Senhor que estende sua mão para aquele que invoca seu nome.
Nesse sentido, a Didaqué, um documento cristão muito antigo e que se refaz provavelmente ao ensinamento dos apóstolos, começa sua catequese justamente com a imagem dos dois caminhos: “Existem dois caminhos, um de vida e um de morte, mas há uma grande diferença entre esses dois caminhos. O caminho da vida, então, é este: Primeiro, amarás a Deus que te fez, em segundo lugar, amarás o próximo como a ti mesmo, e não farás para o outro o que não queres que seja feito a ti.” (Didaqué, 1)
Essa idéia de um caminho de vida está bem expressa na Oração do dia: “Ó Pai, que resumistes toda a lei no amor a Deus e ao próximo, fazei que, observando o vosso mandamento, consigamos chegar um dia à vida eterna”.
No Evangelho, a parábola dos trabalhadores da vinha retoma, ainda que indiretamente, a idéia do caminho. Dessa vez, a percorrer o caminho não são os trabalhadores. Estes são apresentados como que à espera numa praça. No texto, é o pai de família que sai cedo de sua casa, enveredando-se pelo caminho em busca de trabalhadores.
A narração é bem conhecida: ao labor são chamados diversos trabalhadores em diferentes horas do dia. Ao final da jornada, ao contrário do que se esperaria, aqueles que trabalharam menos tempo recebem a mesma quantia daqueles que trabalhavam desde o início do dia.
Assim como nos tempos de Jesus, essa parábola soa ainda hoje aos nossos ouvidos como algo desconcertante... A tal ponto que se tivéssemos que aplicar essa parábola em nossas relações econômicas, certamente seríamos taxados de injustos.
Aqui gostaríamos de fazer menção ao premiado filme “As Vinhas da Ira” (The Grapes of Wrath), baseado no livro homônimo escrito pelo americano John Steinbeck. O filme narra uma “parábola dos trabalhadores da vinha às avessas”, do momento que explora o aspecto da violência e da injustiça que uma família de trabalhadores sofre ao ser expulsa de suas terras. A partir dessa expulsão, a família se vê na necessidade de peregrinar pelos Estados Unidos em busca de trabalho. Ao longo de boa parte do filme se narram os sofrimentos destas pessoas, ludibriadas e exploradas por proprietários de terra inescrupulosos.
Mas ao que parece a parábola não tem intenção de tratar propriamente de questões relativas à justiça social. A parábola quer mostrar o caminho de Deus ofertado para os homens. Trata-se antes de qualquer coisa de um caminho de retidão e de amor.
É por isso que é o pai de família (trad. Bíblia de Jerusalém) que sai em busca de trabalhadores, e não o contrário. Ao encontrá-los combina o preço justo que era pago por uma jornada de trabalho. Por qual motivo esse pai de família sairia mais vezes em busca de mais trabalhadores para a sua vinha? Seria a propriedade tão grande assim? A parábola nada diz. Quem sabe talvez ele busque mais trabalhadores por outro motivo... É o que parece surgir na próxima cena, quando ao percorrer o caminho que levava à praça ele encontra o último grupo de operários e pergunta: “Por que ficais aí o dia inteiro sem trabalhar?”. A resposta não se faz esperar: “Ninguém nos contratou...”.
Podemos apenas imaginar um trabalhador dos nossos dias, com família, desesperado para trabalhar, quem sabe para comprar comida, pois já nada mais há em casa para se comer. O que passa no coração de um desempregado que procura um dia inteiro trabalho e ao chegar o final do dia, sem nada encontrar, pensa em seu filhinho e que talvez não tenha em casa leite sequer para encher uma mamadeira... “Ninguém nos contratou...”
Eis uma chave de interpretação possível: Deus enxerga os corações. Deus conhece as necessidades reais do homem e age com bondade e gratuidade extremadas. Deus vê a necessidade de seus filhos.
Os outros trabalhadores, contratados por um preço combinado e aceito, são tomados pelo desconcerto e protestam contra o dono da vinha. Curiosamente, a resposta do proprietário desse vinhedo traz um elemento interessante: “Amigo, não fui injusto contigo. Não combinamos um denário? (...) Não tenho o direito de fazer o que quero com o que é meu?” (v. 13s).
Apesar das reclamações dos trabalhadores da primeira hora, o dono os chama ainda de amigos e lhes faz ver que suas motivações são outras; são aquelas de cumprir uma justiça verdadeira através de um ato de bondade e amor para com os mais fracos.
Para trabalhar nessa vinha – imagem de Israel e do novo Israel, isto é, a Igreja – é preciso viver no espírito do Evangelho: “Somente vivei vida digna do evangelho de Cristo” (segunda leitura v. 27).
Nesse sentido, vale a pena recordar o ano de 1988, quando o Papa João Paulo II publicava a exortação apostólica pós-sinodal Chritifideles Laici, sobre a vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo. O início desse belo documento usa justamente imagem da parábola de Mateus sobre a vinha do Senhor. Diante dos desafios que a sociedade nos impõe, mais do que nunca são necessários trabalhadores para o Reino. Trabalhadores que por um chamado divino devem contribuir para fazer visível o caminho que leva ao Pai, que é Cristo Senhor.
Para isto, não bastam as próprias forças, mas é necessário estar alimentados pela Palavra e pela Eucaristia: “(...) para que possamos conseguir (...)o que proclamamos pela fé” e para que, ao final, possamos colher os frutos da redenção (Oração sobre as oferendas e Oração depois da comunhão).
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[Dom Emanuele Bargellini, Prior do Mosteiro da Transfiguração (Mogi das Cruzes - São Paulo), que originalmente assina esta Seção, está em viagem à Itália para compromissos de sua comunidade. Ele retorna em  outubro. Os comentários deste período estão sob sua curadoria.]

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